domingo, 9 de janeiro de 2011

Como que a esperança chega à mesa


Na quinta, 6 de janeiro, o sol apareceu queimando, mas, “este sol é sol de chuva”, diziam as pessoas antigas do lugar. Mesmo por pouco tempo, Odair José vai ficar feliz, porque chove sem parar na região há dias, deixando 52 municípios mineiros ilhados, segundo noticiou o Jornal Nacional daquela noite. No leste de Minas Gerais, rios transbordavam e encostas fechavam estradas.

No dia anterior, Odair ficou “garrado” no barro com seu Mercedes 1513, amarelo canário, ano 75. Durante anos, ele recolhe o leite dos pequenos produtores e leva para a usina, em Caratinga, distante 30 km. Porém, isto não acontece sem sacrifício: barro, atoleiro, pinguelas e porteiras trancadas. O velho “Mercedes” para carregar 900 litros de leite, geme pelas vicinais do lugar e solta uma irregular fumaça preta.

Enquanto ajudava o “guerreiro do leite” a colocar correntes nos pneus, eu pensava no sacrifício que pioneiros da Igreja Adventista fizeram no passado para levar esperança aos rincões do Brasil profundo. O leite chega à mesa pelo trabalho árduo de sitiantes, assim como a esperança também chega às casas, pela ação perseverante de colportores, pastores e demais líderes da igreja.

No leste mineiro, por exemplo, ainda se ouve falar de nomes como John Boehm, um dos co-fundadores do Colégio Adventista Brasileiro, em 1915, hoje, atual Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). Gesto Duarte, 4º filho do pioneiro local Patrício Apóstolo, conta que ele “barganhava cavalos para chegar a Fazenda Fidelidade”, prática similar aos atuais aluguéis de carros, quando se chega ao aeroporto.

Nesta ocasião, já em idade madura, John Boehm preside a então Associação Rio-Minas, região administrativa composta pelo Estado do Rio de Janeiro e parte de Minas Gerais. Uma curiosidade: só na década de 80, Minas foi unificada em uma só região, com nome de Missão Mineira. Antes, seu território era dividido com Goiás, Espírito Santo, Bahia e Rio de Janeiro.

As histórias contadas por adventistas mais antigos do lugar empolgam. “Para chegar às fazendas de café, os pastores usavam vários animais, porque as roças eram distantes. Por exemplo, de Piraúba (zona da mata mineira, próximo a Juiz de Fora), eles iam até o Córrego São João de Mantena, na divisa do Espírito Santo levando livros e a Revista Adventista”, revelam.

Gesto é um dos mais animados. “O livro era uma espécie de paixão. Muitos vinham de máquina (uma referência aos trens da extinta Estrada de Ferro Leopoldina) até certo ponto. Depois, alugavam animais (cavalos) para si e para os livros”, conta o septuagenário. E, continua: “Atrás do que foi a 3ª. igreja, de 1958, pastores como Tézinho Bahia, pai do atual Reitor do UNASP, professor Euler Bahia, descia a serra se equilibrando nas pedras, para visitar a irmandade”, relembra. Hoje, Tézinho tem 87 anos e vive em Hortolândia, SP.

O café acabou, mas, não a garra missionária. Embora Fidelidade seja só pasto, boi e invernada, porém, a Igreja Adventista de Córrego Novo faz planos evangelísticos para 2011. “Vamos organizar o Dia do Amigo, em 16 de abril, para uma mesa de esperança”, se entusiasmam os líderes, ao citar o livro do ano “Ainda Existe Esperança”.

E por que insistem com livros, perguntei? É porque no caso do pioneiro do lugar, Patrício, ele leu o livro (não há informação certa do nome do livro) dado pelos colportores em Piraúba (1936). Depois, mudou-se para cá, guardando o sábado. Porém, ele só foi batizado em 1944 em Patrocínio, quando apareceu pastor ordenado nesse núcleo pioneiro de adventistas, explicam os descendentes que ainda vivem no lugar. O plano da Igreja Adventista neste ano é distribuir em oito países da América do Sul, 10 milhões do livro de Enrique Chaij [Equipe ASN, Jael Eneas].

Casa onde funcionou a 3ª. Igreja Adventista de Córrego Novo, na Fazenda Fidelidade. Atrás, a serra por onde pioneiros desciam a cavalo, ladeada por mangueiras plantadas por Danieta, esposa do pioneiro Patrício Apóstolo, em 1958, dia da inauguração.

Em 1983, a igreja se transferiu para a cidade e se tornou na 4ª igreja, desde a fundação.

Atual Igreja Adventista de Córrego Novo, com 30 membros, inaugurada em 6 de agosto de 1994. A época, a localidade pertencia à região administrativa Mineira Sul, sede em Juiz de Fora. Hoje, a igreja é do distrito de Santa Cruz (Caratinga), região Mineira Leste, sede em Governador Valadares.

Gesto Duarte, 78, com seu livrinho de onde tira as memórias históricas do adventismo do lugar.

Cidade de Córrego Novo, com 3,5 mil habitantes, que nas chuvas fica isolada pela serra com Bom Jesus do Galho, MG.

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